A Visita é um conto presente no livro O Cavalo Cego de 1979 de Josué Guimarães, o livro é composto por seis contos com toques sobrenaturais.
A história fala sobre a dor e a solidão de um homem que perdeu sua esposa, e vive isolado da sociedade preso em sua casa, sem alegria, passando o tempo relembrando dos momentos em que Heloísa ainda era viva.
Até que numa noite sua esposa aparece misteriosamente em sua casa.
"Desde as primeiras linhas o entrelaçamento de acontecimentos chama a nossa atenção; ora pertencem ao mundo real e ora ao extraordinário. Neste conto de universo ambíguo, encontramos o narrador em primeira pessoa que nos relata um sonho vivido por ele na noite anterior. Nos primeiros parágrafos da história nós o encontramos acordado, preparando o café da manhã, enquanto recorda os acontecimentos vividos no suposto sonho. Esses giram em torno da visita da esposa Heloisa, que morrera ―há dois anos dois meses e vinte e dois dias". - (Os limites do sobrenatural: uma leitura do fantástico em Josué Guimarães - Marilene Vieira)
O medo é diferente para cada pessoa, mas existe um medo universal que ultrapassa as barreiras culturais, que é o medo de perder quem amamos.
Esse medo nos deixa fragilizados, inseguros.
O terror tem muitas formas de causar medo, e não pode ser reduzido a um gênero que tem apenas o objetivo de assustar o expectador, o terror é um ótimo gênero para explorar os medos que estão dentro de nós, os traumas que carregamos, nossas inseguranças, esse tipo de medo é bastante explorado no terror asiático, inclusive a história de A Vista carrega muito da essência desses filmes, (Irei explorar isso mais a frente).
O conto não é assustador, apesar do elemento sobrenatural, mas ele é desesperador, causa desesperança, agonia.
E esse medo se concretizou na vida do protagonista, o personagem viu sua esposa partir, deixando um vazio não apenas na casa mas principalmente dentro de si.
E vejo a dor no semblante do protagonista e temo seu sofrimento, um temor que nenhum susto me proporcionaria, o medo é grande pois não quero ter sua experiência, fujo desse pensamento, e me vejo frágil. É esse medo desesperador que A Visita causa.
Irei comentar agora a relação do escritor Josué Guimarães com o terror de Kurosawa, em uma cena do filme Doppelganger (2003) de Kurosawa, uma mulher entra na casa e estranha ao ver seu irmão assistindo TV, pois ele deveria estar em outro lugar naquele momento, ao sair da sala e atender o telefone, é informado a ela que seu irmão havia morrido, assustada ela volta e não encontra mais ele, uma cena ao mesmo tempo assustadora, pois o mistério, o desconhecido, é assustador ao ser humano, mas ao mesmo tempo é uma cena dramática, sentimental, coisa que os asiáticos sabem fazer perfeitamente, (essa cena tem no youtube caso tenha interesse em ver).
O conto A Visita foi transformado em um curta metragem e você pode assistir no site Filmow, é de 2007, o curta transmite o mesmo desesperado e vazio que o conto.
O medo de perder alguém e o trauma que isso gera é bastante explorado no terror asiático, principalmente no terror de Kurosawa, a perda e a solidão é muito bem representado em uma cena de Whispering Corridors 4 (Voice), em que uma das protagonistas está correndo pelo corredor da escola desesperada querendo encontrar sua amiga, mesmo sabendo que ela estava morta, desejando vê-la novamente, enquanto a trilha sonora de fundo está tocando a música O Sacrum Convivium, baseada em um poema. (Que inclusive fala sobre a esperança da ressurreição, e o encontra na eternidade com aqueles que amamos. Tenho um texto falando dessa música no blog).
Além do conto a A Vista, o conto Uma Noite de Chuva também é muito bom, esse conto tem uma relação muito grande com o filme Doppelganger, ele narra a história de um homem que foi buscar sua esposa Helga no mercado após saber que havia acontecido um acidente com uma mulher próximo do mercado, ao chegar no local ele percebe que o carro do acidente era igual o da sua esposa, mas de repente a sua mulher vem ao seu encontro, ela está bem. Ao chegar em casa, a mulher pede ao marido que a deixe descer do carro enquanto ele entra na garagem, pois ela iria tomar um banho. O marido entra na residência, não encontra a esposa em lugar algum, começa a chamar por ela, logo seus amigos mais próximos vão chegando e lhe aplicam uma injeção. Após isso, todos pensam nos preparativos do sepultamento de Helga, ela havia morrido no acidente.
Perceba como o horror aqui é tão emocional e assustador ao mesmo tempo.
Esse conto e filme traz uma coisa muito interessante aos protagonistas, uma despedida não desesperada, o que estou dizendo é, o encontro desses personagens minutos antes de receberem a notícia do falecimento das pessoas que elas amavam, foi menos desesperador do que eles encontrassem elas mortas. Eles tiveram a oportunidade de se relacionarem com seus entes queridos um tempo antes de saberem o que aconteceu, um tipo de "despedida", diminuindo assim o choque da distância ao receberem a notícia, pra mim é chocante como o terror pode se desenvolver tão implicitamente assim, e mesclar o horror com a emoção.
Curta:
https://filmow.com/la-visita-t35660/trailers/
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