O Sofrimento como Semente para o Terror



Tudo que produzimos depende de nosso estado emocional, tem coisas que só a tristeza produz, e outras que só a felicidade cria.
Muitas músicas, livros, filmes, só tiveram existência em razão do sofrimento do autor, usando essas mídias como uma forma de expressar sua dor, uma canção que tanto gostamos as vezes não temos conhecimento que ela só foi composta em razão de uma tristeza particular do compositor, caso contrário ela nunca existiria, e o questionamento fica, será que valeu a pena sofrer para trazer a vida essa canção?
O sofrimento também produz arte, ele também é uma semente que traz a vida dons que antes não imaginávamos possuir.
Vejo o terror como um subgênero do drama, uma forma diferente de explorar os sentimentos humanos, enquanto o drama demonstra o sofrimento do personagem e como isso afeta sua vida e das pessoas a sua volta, o terror traz as feridas para algo mais tangível, pega nossos diversos sofrimentos internos e o exterioriza para fora em representações simbólicas através de assombrações, visões.
São gêneros que tratam da mesma dor humana, só que de maneiras diferentes, enquanto um explora a forma como o personagem lida com sua depressão, o outro materializa a mente perturbada do indivíduo e transforma seus sentimentos em ameaças físicas, como se fizéssemos uma viagem para dentro de nós mesmos e conhecêssemos nossos monstros.
O drama nos deixa triste pelos personagens, o terror psicológico nos convida a enxergar o que ele está vivendo por dentro, quando seus traumas são personificados, sentimos o mesmo medo e desespero vivido por dentro dele. E naturalmente nossos traumas são verdadeiros pesadelos dentro de nós.
Já li análises e comentários de filmes como O Sexto Sentido, Os Outros, O Conto de Duas Irmãs, Água Negra, a franquia Whispering Corridors, como sendo na verdade filmes de dramas ao invés de terror, como também são classificados, pois esses títulos estão mais preocupados em desenvolver o sofrimento e trauma de seus personagens do que em assustar.
Isso acontece bastante no terror asiático, especificamente no horror coreano, o terror nesses filmes está ligados as angústias e feridas dos personagens, e o medo se intensifica ou diminui conforme as mudanças de seu estado emocional.
Como dito no inicio, toda nossa produção pessoal está ligado ao estado de nosso psicológico, ele determina que tipo de material produziremos, em um dia de alegria a melodia de uma música sairá diferente de um dia de tristeza, mas certas melodias precisam da tristeza para ganharem vida, assim como também certas histórias dependem do sofrimento para serem criadas. 
O gênero terror psicológico é alimentado pelo sofrimento, ele nos convida a jogar todos os nossos sentimentos ruis sobre ele, a tristeza, raiva, e tudo isso ao ser exteriorizado, naturalmente vem sob uma carga pesada, e para que possamos transformar nossa dor em imagens ou textos, para que o outro possa conhecer o que se passa em nossa mente, o gênero do terror nos oferece as possibilidades de usar nossos traumas, algo que seria limitado se fosse usado no gênero drama, pois o elemento da materialização que transmite nosso medo interno não seria possível com o mesmo tom desesperador.
O terror obviamente tem vários segmentos, e embora em todo terror exista o sentimento do medo, desespero, insegurança, cada subgênero o desenvolve de uma maneira diferente, mas eu me foco nos enredos que tem como atenção principal o desenvolvimento dos traumas dos protagonistas.
Ao se escrever uma história de horror psicológico, o sentimento de tristeza é inevitável, o terror pede a companhia de nossa dor, a pessoa tem que ter dentro dela algo que a perturbe, seja um sentimento ainda não dominado, ódio, culpa, rancor, alguma sensação que lhe traga a necessidade de colocar pra fora, exteriorizar sua perturbação interna.
Pra escrever sobre um personagem você tem que ter uma bagagem que lhe dê o conhecimento para tratar sobre certo assunto, Shyamalan ao escrever O Sexto Sentido se inspirou em um garoto que ele viu falando sozinho em um funeral, intrigado imaginando se ele estaria conversando com o falecido, o diretor tentou colocar através do filme como seria o desespero de uma criança que tinha contato com espíritos mas que não podia falar para ninguém.
O terror chama para dentro de si a dor para que ela seja expressada, até porque nada mais aterrorizante que nossos traumas não superados, nossas fraquezas.
Mesmo que o escritor desenvolva um roteiro por contrato, inevitavelmente ao construir os personagens que farão parte daquela história de horror que tratam de assuntos psicológicos, ele tem que minimamente entrar na mente dos personagens, entender como uma pessoa reage aquele tipo de sofrimento, como lida com a perda, solidão, vingança, e criar a empatia que o faça desenvolver a história.
A dor é o alimento para o terror, é a semente que o faz nascer, até mesmo o gênero Slasher, que não depende de uma história tão bem desenvolvida, o vilão é sempre motivado por algum problema pessoal, um trauma vivido no passado, que o faz sair em busca de vingança como uma forma de alimentar o ódio dentro de si.
No horror coreano a emoção é mais destacada que a ameaça física.
Gostaria de conversar com o roteirista do filme coreano O Conto de Duas Irmãs e saber qual foi seu sentimento na hora da criação da história, e mesmo que não seja diretamente um problema pessoal que tenha gerado a produção do enredo, de qualquer forma o roteirista teve que se colocar na pele das duas garotas para entender as suas dores, entender o que é perder uma família e colocar a culpa na madrasta numa necessidade de buscar um culpado, e por conta disso criar dupla personalidade numa fuga desesperada de se punir pelo que aconteceu e provar que a madrasta foi a responsável pela morte de sua mãe e irmã. A dor faz nascer o terror, o inferno já existe dentro de nós, o gênero apenas o exterioriza para fora.

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