A Presença Feminina nos Filmes de Terror Oriental

Uma das características do terror asiático é sua forte relação com o drama humano.
Os filmes de terror orientais estão mais ligados aos relacionamentos humanos do que o susto em si, são mais centrados na exploração de temas como traumas não superados, relacionamentos conturbados, abusos, do que no horror apenas com o objetivo de assustar.
O terror presente nesses filmes tem um grande foco nos sentimentos tanto da protagonista quanto da vilã, tudo ocorre no psicológico dos personagens e na forma como eles lidam com suas dores.
Seus sofrimentos são materializados, seja em visões advinda de seus traumas como a jovem Cheung do filme Inner Senses 2002, ou nos espíritos vingativos (Onryo).
O diretor de terror Kiyoshi Kurosawa, que escreveu e dirigiu Cure de 1997 e Kairo de 2001, disse em uma entrevista sobre o foco de seus filmes estarem nos relacionamentos entre as pessoas:
"Eu estou mais interessado em saber como os filmes retratam relacionamentos e como eles atuam em determinadas situações. Tipo, Cure é um filme de terror, mas também é um filme sobre um homem e sua esposa mentalmente doentes, e como isso lhes afeta seus corações e mente. Para mim, os fatores cruciais por trás de qualquer filme de sucesso são como ele trata os relacionamentos. Você olha para um filme J Horror (terror japonês) e vê que tudo se trata de como os personagens têm relacionamentos com pessoas mortas e vivas, objetos inanimados, folclore e seus espaços de convivência."
"Na tradição japonesa, o sentimento que você tem antes da morte se torna mais forte na morte, seja amor ou rancor, e permanece no mundo" - Disse Kurosawa em um Festival de Tóquio na estreia de seu filme Daguerreotype.

Vítima e Vilã
No terror asiático, seja ele japonês, coreano, chinês, tailândes, entre outros países, o foco do terror psicológico está na maioria das vezes na materialização de alguma dor, de algum evento traumático, o sobrenatural é usado para expressar um sentimento, ele é utilizado para nos transmitir as sensações de sofrimento e medo vividos pelos personagens, da mesma forma que um pintor expressa sua dor em um quadro, ou um músico em uma melodia, ambos são exteriorizações de um sentimento.
No cinema japonês o sentimento de vingança é o mais geralmente utilizado, enquanto que na Coreia a depressão e trauma são temas mais frequentes nas narrativas.
Na mídia dos jogos eletrônicos por exemplo, temos uma série japonesa chamada Silent Hill originada em 1998 para a plataforma Playstation. Diferente de outros jogos de terror da época, a proposta dele era justamente trazer um terror psicológico, em que o medo está dentro dos personagens e não no exterior, os temores são materializados em forma de monstros, mas todos com origem mental, no caso do primeiro jogo, os monstros "nascem" pela psique sofrida de Alessa que está em coma.
A garota não é a vilã da história, é muito interessante essa forma de usar o terror, apesar dos inimigos do jogo serem em sua maioria frutos do psicológico de Alessa, ela não é a vilã, é apenas vítima, assim como o protagonista. Por isso que o tema "vilão" nesse tipo de horror não tem muito significado em sua forma literal.

No filme coreano Don´t Click de 2012, que conta a história de uma garota que cometeu suicídio após seus pais morrerem, o fantasma da menina começa a perseguir e matar todos que acusavam seu pai de estuprar uma mulher, na tentativa de querer provar a inocência do pai.
Nas cenas finais do filme, onde o espírito da menina se encontra com Se-Hee, que é a irmã de Jung-Mi, que foi responsável por divulgar na internet o vídeo do homem aparentemente se aproveitando de uma mulher bêbada, Se-Hee diz para o fantasma da filha do homem para não matá-la, que ela não sabia a origem do vídeo, e que a intenção de sua irmã não era humilhar o pai da garota, ela apenas divulgou sem saber do contexto, e termina falando que ambas são vítimas, ambas estão sofrendo, e que as mortes precisavam acabar.
E realmente Se-hee não era culpada, estava apenas querendo proteger sua irmã, que estava sendo perseguida pela espírito da filha do homem acusado de estupro, e Jung-Mi apesar de ter divulgado o vídeo, as imagens foram dadas a ela por um amigo, e não tinha intenção de prejudicar a reputação do pai da menina. Mas a filha, dominada pela ódio de todos, querendo vingança, sem perceber que as duas irmãs também estava sendo vítimas da situação, não as perdoa dando continuidade a sua maldição.
A maldade expressada nos espíritos presentes nesses filmes nem sempre são apenas por crueldade, mas são apenas vítimas do sofrimento que viveram e que agora buscam de alguma forma a vingança pela dor que foram obrigados a passar. Suas maldades são consequências das maldades que passaram enquanto estavam vivas.

Como também acontece no filme coreano Apartment de 2006, que fala sobre Se-Jin, uma mulher que se muda para um apartamento e presencia situações estranhas toda a noite, até descobrir o espirito de uma garota, que após perder os pais, começou a sofrer agressões dos vizinhos até ser morta abandonada em seu quarto. Apesar do "vilão" do filme centrar no espírito da jovem, ela apenas foi uma vítima de maus tratos, os verdadeiros vilões foram aqueles que a fizeram sofrer.
O terror asiático traz uma humanização muito grande das vilãs. 

Nenhum gênero, seja qual for a mídia utilizada, materializa melhor o pânico humano, nossos traumas psicológicos que o gênero do terror, até porque nada mais assustador do que nossos traumas, nossas inseguranças, nossas culpas, e com todos esses sentimentos se materializando a nossa volta, o palco para o terror está pronto. E é nesse ponto que o gênero de terror psicológico se distingue dos demais.
E geralmente as mulheres, tanto nos filmes como também nas lendas de horror oriental, são bastante utilizadas para tratar de temas psicológicos, suicídio, abusos, desprezo, as suas dores são exploradas e materializadas, sejam eles em sentimentos vingativos ou afetivos, seja na vida da protagonista ou da "vilã".
Na verdade no terror asiático a palavra "vilã" não expressa corretamente a ideia da maioria dos filmes que tem foco no sobrenatural, pois o vilão, caracterizado na maioria das vezes por um espírito vingativo, na realidade, como dito anteriormente, é apenas uma vítima de um evento traumático.
O mal não está na personificação, e sim naqueles que o fizeram se personificar, nunca está no espírito que ataca as pessoas, e sim em quem fizeram essa pessoa sofrer em vida, a materialização espectral da vingança é apenas a consequência do sofrimento que a vítima passou antes de morrer.
No decorrer da história vamos descobrindo, com as pistas que o filme vai dando, a origem e as motivações desses espíritos. A sempre humanidade neles, pessoas que em vida passaram por algum evento traumático.
Os filmes asiáticos se utilizam muito de lendas e contos para formarem suas narrativas, e muito desses contos de terror trazem a mulher como um espirito com sede de justiça, dominado por ódio e dor, que sofreu abuso enquanto viva, sendo morta covardemente, e em consequência desse trauma, perturbada com esse sentimento de dor, que não lhes deixam ter descanso, retornam cheias de irá para se vingarem.
Uma das inspirações para a presença dos espíritos em filmes de terror japonês é a lenda dos espíritos Onryo (espíritos vingativos), que são espíritos que voltam à nosso mundo com o objetivo de vingança, e a grande maioria desses espíritos são de mulheres, que sofreram terrivelmente enquanto vivas, e por serem mortas de forma cruel, personificam seus ódios na forma de fantasmas em busca de justiça.
Interessante notar que o que vemos nos filmes, na maioria das vezes, são a materialização dos sentimentos da "vilã", que no fundo é tão vítima quanto as pessoas que ela ataca, e ao conhecer seu passado se torna até compreensível seus atos.
Uma das lendas de fantasmas Onryo é a história de Oiwa.

Oiwa

"A lenda, que assim como a maioria do terror asiático, carrega muito drama em sua história, ela fala sobre uma mulher que foi envenenada pelo marido, que era infiel a Oiwa.
Então, após sua morte ela volta para se vingar. (Como sempre, a "vilã" é sempre a vítima da história, apesar da busca agressiva por vingança, ela é apenas a representação da dor que a mulher viveu com seu marido, personificado em um espírito vingativo).
Oiwa amava Lemon, um jovem humilde, mas seus pais não aceitaram a união.
Lemon mata o pai de Oiwa e mente para o moça que irá atrás dos responsáveis.
Até que Oiwa e Lemon se casam e geram um filho. Mas Oiwa fica doente.
Lemon conhece uma jovem chamada Oume, iniciando assim um relacionamento entre eles, deixando Oiwa de lado, não se importando mais com ela. Lemon tenta se livrar de Oiwa.
Lemon envenena Oiwa através de um alimento até ela ficar muito doente.
Oiwa não suportando a situação comete suicídio cortando sua garganta.
Após sua morte Lemon se casa com Oume. Mas o espirito de Oiwa volta para se vingar do que aconteceu. Lemon começa a ter visões dela.
Lemon olha para Oume e imagina o rosto de Oiwa, e com um golpe arranca sua cabeça.
E com isso o espírito de Oiwa permanece assombrando as pessoas do vilarejo.

Okiku

"Muito desses espíritos de contos japoneses costumam ser de mulheres normais que por diferentes razões eram punidas por homens próximos como pais e maridos. O  mesmo acontece nos filmes J Horror.
Uma das lendas mais famosas é a de Okiko. A história fala que no japão feudal do século XVll uma bela jovem chamada Okiko era serva de um grande senhor de terras de nome Tessan. A moça era de família humilde e sofria assédios diários dele, que arquitetou um plano para tê-la como esposa.
Um dia, Okiko recebeu nove moedas de ouro de Tessan para guardar (em uma versão da mesma lenda são nove pratos), mas o senhor disse-lhe que se tratavam de 10. Quando ela foi devolver, como só havia nove, o homem ficou furioso, mas disse que esqueceria da décima moeda se ela o aceitasse como marido. Diante da recusa, ele atirou a jovem dentro de um poço. A lenda fala que depois do ocorrido, todas as noites, o espectro de Okiko aparecia no poço com ar de tristeza, pegando uma sacola de moedas e as contando. Quando chegava até a nona moeda, o espectro suspirava e desaparecia. (em outra versão Okiko se levantava do poço e entrava na casa de seu mestre, procurando o prato que faltava). Ao final, Tessan teria enlouquecido e se matado."
- (Representação feminina nos filmes J Horror, Filipe Falcão).

E novamente o terror asiático, desde suas lendas antigas, trazem uma carga dramática muito grande em suas narrativas, e colocam as mulheres como personagens principais de suas histórias, seja como protagonistas ou como "vilãs".
E a seguir analisarei alguns filmes onde o drama humano é muito forte, mostrando que a união desses dois gêneros, o drama e o terror, formam histórias incríveis.


Ringu (1998)

Após o lançamento do filme Ringu em 1998, nos foi apresentando a famosa "vilã" Sadako (Samara na versão americana), os filmes desse gênero, que vieram posterior a Ringu, se utilizaram bastante da presença feminina com a mesma característica fantasmagórica de Sadako, como a "principal assombração".
Em Ringu temos como protagonista Reiko Asakawa, repórter que investiga a popularidade do vídeo amaldiçoado.
Reiko fica sabendo que sua sobrinha Tomoko e mais três amigas morreram ao mesmo tempo.
(Tomoko aparece logo no começo do filme junto de sua amiga Masami, lhe contando sobre a história da fita).
Reiko começa a investigar a lenda da fita e aos poucos vai descobrindo a história de Sadako, a jovem por traz da maldição.

"Shizuko Yamamura, mãe de Sadako Yamamura, tinha poderes psíquicos, ela previu a erupção do Monte Mihara. A previsão recebeu atenção da mídia, mas logo Shizuko se tornou alvo de denúncias caluniosas, perturbada pela pressão em cima dela, cometeu suicídio pulando do Monte Mihara.
O tio de Sadako, Takashi (primo de Shizuko), foi responsável por expor Shizuko à mídia, na esperança de ganhar dinheiro com a situação.
A atenção da mídia atraiu o Dr. Ikuma, que ao mesmo tempo em que ele também desejava provar a existência de poderes mentais, também estava envolvido em um caso amoroso com Shizuko.
Por sugestão de Takashi, o Dr. Ikuma fez com que Shizuko mostrasse seus poderes para uma audiência de jornalistas em Tóquio.
Logo, o Dr. Ikuma realiza com Takashi, Sadako e vários jornalistas presentes, uma demonstração dos poderes mentais de Shizuko.
Shizuko exibe com sucesso suas habilidades psíquicas durante toda a demonstração, mas uma jornalista denuncia a acusação de fraude. Sadako, com seus poderes psíquicos que herdou da mãe, mata a jornalista, e após a demonstração o Dr. Ikuma é demitido, escapando dos holofotes com Sadako. (No romance, livro em que o filme foi baseado, Shizuko se retirou da manifestação devido a uma enxaqueca e foi rotulado de fraude. Ela ficou deprimida e eventualmente cometeu suicídio pulando em um vulcão).
Reiko e Ryuji (ex-marido de Reiko), deduzem que Sadako criou a fita de vídeo amaldiçoada, para expressar sua fúria contra o mundo. Através de uma visão, eles descobrem que o Dr. Ikuma assassinou Sadako com um facão e jogou seu corpo no poço. ( E trinta anos depois, a história de Shizuko é descoberta por Reiko Asakawa).
Reiko e Ryuji eventualmente foram para a ilha de Oshima e encontraram Takashi, que explicou que Shizuko passava horas olhando para a água, antes dela dar à luz Sadako."

Shizuko estava em estado de estresse muito grande, sabendo que estava sendo usada como objeto de fama e dinheiro, pressionada por Takashi e Dr. Ikumi em razão de suas habilidades mentais, tendo que suportar as acusações de fraude, e cada vez mais perturbada com a situação que estava sendo "forçada" a passar. Com o desejo de se ver livre de tudo aquilo, cometeu suicídio.
Shizuku também teve que conviver com a perda de um filho que morreu com quatro meses por uma doença. Então todos esses problemas foram se acumulando em sua mente.
Saber que a pessoa que ela havia se apaixonado a estava usando apenas para atrair público e provar a sua teoria de poderes psíquicos, trouxe tristeza para si, não há como ter uma saúde mental vivendo em um ambiente assim.
E apesar de Shizuko "ter controle" sobre seus poderes, ela sofria de problemas psicológicos, (não dá pra saber se ela já tinha algum histórico de problemas psicológicos antes mesmo de começar a ser usada por Takashi para expor suas habilidades, ou se os seus problemas mentais surgiram após ela passar por essas pressões em público), pois após dar à luz Sadako (em uma caverna, na versão do filme Shizuki engravida de Sadako misteriosamente ao invés de ser do Dr. Ikumi), ela deixou a menina na praia esperando que ela pudesse ser levada pelas ondas, (o que não aconteceu), então ela decidiu cuidar da garota.

Hideo Nakata diretor de Ringu e de outros três filmes de terror chamados Dont Look Up de 1996, Águas Negras de 2002 e Ghost Theater de 2015, ambos os quatros filmes trazem mulheres como protagonistas, mostrando um interesse no diretor em explorar os medos e traumas de mulheres.
Em uma entrevista para o Japan Times Nakata diz: "Parece que, como cineasta, sou mais adequado a retratar mulheres".
"Eu e um produtor decidimos mudar os personagens principais do romance original (livro Ringu). O romance tinha sido sobre dois homens rastreando o fantasma misterioso de uma menina, mas nós alteramos isso para uma mãe solteira e seu marido distante." (Hideo Nakata)




O Conto das Duas Irmãs

O enredo fala sobre uma jovem paciente recentemente liberada de uma instituição mental que retorna para casa com sua irmã, e lá passa por eventos perturbadores com sua madrasta e um fantasma que assombra a casa, todos os quais estão ligados a um passado sombrio na história da família.

"A mãe das irmãs havia cometido suicídio, em uma manhã Su-yeon descobre sua mãe enforcada no armário do quarto. A menina tenta revivê-la, fazendo com que o armário colapse em cima dela e lentamente a esmagando até a morte. A enfermeira Eun-joo entra no quarto e vê o armário caído em cima da menina, ela decide ir avisar a família, mas no caminho encontra Su-mi, as duas discutem, Su-mi sente que Eun-Joo está tentando separar o pai de sua mãe para poder ficar com a casa, e pede para ela não se envolver nos assuntos de sua família.
Irritada, Eun-joo decide não avisar ninguém sobre Su-yeon, e lembra Su-mi que ela vai "se arrepender desse momento", depois disso Su-mi deixa a casa, inconsciente das condições de sua irmã e de sua mãe, até voltar e descobrir que ambas estavam mortas, e automaticamente colocou toda a culpa em Eun-joo".

"No começo do filme, Su-mi está sendo tratada em uma instituição mental. Ela é liberada e retorna para casa de sua família no campo com seu pai e irmã mais nova Su-yeon.
As irmãs têm uma relação bastante fria com sua madrasta, Eun-joo.
Eun-joo era uma enfermeira que vivia na casa da mãe das irmãs, que estava doente.
Su-mi é confrontada por seu pai, que implora para que ela pare de agir daquela forma descontrolada, mas ela fala que ele está sendo cego por não ver o abuso que Eun-joo faz contra Su-yeon."

Na verdade em toda a história Su-mi e seu pai estavam sozinhos na casa, não havia a presença da irmã Su-yeon e nem da madrasta, era tudo fruto da mente sofrida e perturbada de Su-mi.
Tanto Su-yeon e Eun-joo eram manifestações do distúrbio de identidade de Su-mi.
A menina mudava de personalidade constantemente. Se projetou em Su-yeon por não ser capaz de aceitar sua morte, ao mesmo tempo em que tentava re-imaginar como sua irmã foi morta e o sofrimento que ela passou nas mãos da madrasta.
E se colocando como Eun-joo, Su-mi recriava todo todo o cenário que acreditava que Su-yeon tinha sido morta, ao mesmo tempo que essa personalidade da madrasta era uma alto punição, no sentido de também querer ser morta pelas mãos de Eun-joo, passando a responsabilidade de tudo para ela, ao mesmo tempo com o desejo de esquecer de vez o seu trauma, mas também fazer a madrasta ser a assassina.
Enquanto no papel de sua irmã Su-mi desejava salvá-la, na personalidade de Eun-joo, uma manifestação de seu ódio que sentia por ela, deseja ser morta por suas mãos, pra nunca mais sofrer com a lembrança de sua mãe e irmã falecidas.




The House Stranger

Na primeira cena do filme, a garota Le Rong (Yezi), está sendo perseguida por seus tios e tias até o rio e depois sendo afogada por eles.
Em seguida, aparece Yezi varrendo o chão em um salão de cabelo, sendo solicitada a pagar os dois meses de aluguel atrasado por seu alojamento. Após se encontrar com um homem chamado Zijun, ele pede a garota para interpretar o papel de Le Rong, (sua sobrinha), por causa de sua semelhança com Le Rong, para dar alegria a sua mãe que tem poucos dias de vida.
Yezi decide fazer isso depois que o salão de cabelo em que ela trabalhava é fechado.
Assim que eles chegam a casa, Yezi começa a ter alucinações, e ter visões do passado da garota Le Rong.
No final do filme, é revelado que Yezi é na verdade Le Rong, ambas são a mesma pessoa, e que ela está passando por tratamento psiquiátrico com seu tio Zijun.

Aqui temos uma semelhança entre Le Rong e Su-mi do filme "O Conto das Duas Irmãs". As duas meninas após perderem a família, colocam a culpa em seus parentes pela tragédia.
Su-mi acusa sua madrasta de ter sido culpada pela morte de sua mãe e irmã, enquanto Le Rong culpa seus tios pelo acidente de carro que matou seus pai e irmão.
E ambas as garotas, perturbadas pelo impacto que tiveram com essas mortes, passam a serem tratadas psicologicamente, pois a culpa que carregam é tão intensa, que elas materializam suas perturbações em visões, e criam outras identidades para se livrarem do peso da morte dos pais.
Le Rong faz isso para tentar viver uma vida sem se lembrar de seu passado, e Su-mi se projeta na madrasta a fim de não só atribuir a ela a culpa, mas também tentar se matar pelas mãos "dela", um suicídio que faz da madrasta a "responsável" por ele.

Mais uma vez o gênero de terror sendo usado na ásia para tratar de traumas psicológicos.
Não somos muito diferentes de Le Rong e Su-mi em nosso cotidiano, muitos transferem suas dores para terceiros, culpando algum familiar pela morte de alguém que amavam.
Transferir o sofrimento para responsabilidade de alguém já está no instinto humano, por isso nossa luta diária é contra nosso próprio instinto, nosso próprio ego, como ensinado pelas filosofias orientais, no livro Baghavad Gita por exemplo.
Le Rong, sentindo que seus tios estavam querendo ficar com a propriedade de seu pai, que estavam armando algo para se livrarem dele, após sua morte, transferiu toda a responsabilidade aos tios.
A convivência com eles estava se tornando impossível, ela sentia ódio deles, tinha certeza que eram responsáveis pelo acidente.
Numa noite, na tentativa de fugir do lugar, viver uma nova vida e esquecer do passado, ela correu desesperada para o lago próximo a casa, e seus tios foram atrás dela para salvá-la, mas Le Rong desaparece nas águas e começa a criar uma nova identidade para se esquecer de tudo, de seus pais, de seus tios, esquecer de si mesma, uma tentativa desesperada de começar uma nova vida.
Ela começa a se chamar Yezi. Mantém no pensamento a idea de que seus pais estão vivos, tanto que quando a mulher vai cobrar o seu aluguel, ela diz que seu pai é dono de várias empesas nos EUA e iria mandar dinheiro para ela.

Mas após a loja em que trabalhava se fechar, recebeu o convite para se passar pelo papel de Le Rong a pedido do homem Zijun, ela volta para casa (ainda com a personalidade de Yezi), e ao chegar começa aos poucos relembrar de tudo novamente, de Le Rong, de seu irmão, seus pais, e quando todas as lembranças voltam por completo, é revelado que Zijum é seu tio, e que ela estava passando por tratamento psicológico com ele a fim de superar o trauma da morte de seus pais.
Desesperada, sentindo todo o peso que as lembranças lhe trouxeram novamente, ela foge como das outras vezes, e desaparece no lago, e vai novamente criar outra personalidade, em outro lugar, longe de tudo, na tentativa de esquecer do trauma que a perturba.
Enquanto seus tios sentem que dessa vez a perdeu para sempre, e Zijum se culpa por não ter conseguido ajudar Le Rong a superar sua dor.
Passamos o filme acreditando que Zijum e seus irmãos são realmente os culpados, que querem matar Le Rong para ficar com a casa de seus pais, mas o que vemos é apenas a perspectiva de Le Rong, de sua mente perturbada e ferida, e seu ódio misturado de dor pelo morte de seus pais e irmão.
Mais uma vez o terror se passa dentro e não fora, está no sofrimento e não na exterioridade, está em nossa mente perturbada com nossos traumas não superados, e no papel de uma garota chamada Le Rong, se materializa através do gênero de terror a dor após a morte dos pais, e as consequências que ela traz se não a superarmos.




Água Negra

A história é sobre Yoshimi, uma mãe divorciada que se muda para um apartamento com sua filha Ikuko.
Ela matricula a menina no jardim de infância e consegue um emprego como revisora de textos, um emprego que ela ocupava antes de se casar. Yoshimi percebe que o teto de seu apartamento está com vazamento de água, que futuramente descobre que vem do andar de cima.
A relação entre as duas é bastante afetiva, elas realmente se amam, e isso para Yoshimi é bastante positivo, pois ela estava tendo uma disputa contra seu ex marido pela guarda da menina, e saber que Ikuko gostava de estar em sua companhia, lhe trazia alegria em meio ao estresse que estava passando pelo medo de perder a guarda da filha.
Era algo que a atormentava constantemente, mas como ela mesma diz para a garota, ao lado de Ikuko ela tinha força para lutar contra qualquer coisa, e realmente sua alegria era estar ao lado da filha.
Se sentia triste por não poder buscar a menina sempre no horário da escola em razão de seu serviço, e temia que isso seria usado contra ela em favor de seu ex marido.
O filme inteiro é demonstrado no semblante de Yoshimi uma tensão muito grande, os únicos momentos que ela parece mais pacificada é quando está ao lado de Ikuko, pois além do problema que está tendo com o ex marido, ainda está preocupada com o que está acontecendo no apartamento, além do vazamento de água, ela sempre encontra sua filha com uma bolsa vermelha infantil que a menina encontrou no sub solo do prédio.
Yoshime estressada com a situação, por achar que está sendo perseguida, coloca a culpa em seu ex marido, mas seu advogado diz a ela para se acalmar, pois seu descontrole pode afetar sua vitória na guarda de Ikuko.
Yoshimi percebe que enquanto ela vai descobrindo a verdade sobre o vazamento, isso está afetando Ikuko.
Yoshimi descobre que o vazamento está ligado a menina Mitsuko Kawai, a menina desaparecida que ela viu em um cartaz.
Mitsuko Kawai, após sua mãe não aparecer para lhe buscar na escola, volta para casa sozinha e sobe até o último andar, ela segue em direção a caixa de água e sobe as escadas até o topo dela, acidentalmente a menina deixa cair sua bolsa vermelha, e ao tenta pegá-la, acaba caindo dentro da caixa de água.
Mitsuko se sentia triste por ter sido abandonada pela sua mãe, solitária ela caminhou sozinha para seu apartamento para descobrir que sua mãe já não estava mais lá. Após subir até o sub solo do prédio e cair acidentalmente no poço de água, a garota morreu com esse sentimento de dor dentro dela, ao mesmo tempo triste pelo abandono de sua mãe, e desesperadamente desejando que ela pudesse ir até lá e tirá-lá de dentro daquele tanque.

Após sua morte, com seu espírito ainda preso com aquela dor de ter sido abandonada, a materialização de seu sofrimento permaneceu no apartamento, e a água é uma simbolização de sua morte.
Os ataques do espírito de Mitsuke são sempre destinados a menina Ikuko, pois ela quer fazer de Yoshimi a sua mãe, como eu disse no inicio dessa matéria, a sempre um lado humano por traz desses espíritos "vingativos", a sempre um contexto por traz de suas materializações.
Seu ataque contra Ikuko, apesar de cruel, é feita através de seu forte desejo de ter uma mãe novamente para estar com ela, morrer afogada dentro de um tanque de água com a sensação que foi rejeitada pela própria mãe lhe causou um sofrimento muito grande, e esse sofrimento se personificou no espírito de Mitsuko.
Yoshimi descobrir o passado de Mitsuko e volta para seu apartamento, encontra sua filha caída no banheiro, pois havia sido ataca pela espírito da menina. A mãe de Ikuko lhe pega e segue até o elevador para sair do apartamento, e antes de ir, ela vê sua filha saindo do apartamento de Mitsuko, ela estranha encontrar a sua filha ali clamando por ela, e quando Yoshimi vira o rosto para olhar quem era a garota que ela estava carregando nos braços, ela descobre que era o espírito de Mitsuko se assando por sua filha.
(Mitsuko já tinha intenção de ter Yoshimi como sua mãe logo quando ela chega no apartamento, em uma das primeiras cenas Mistsuko segura sua mão no elevador, demonstrando o carinho que ela queria ter de Yoshimi).

Nesse momento Yoshimi tem duas opções, ou ela volta para buscar sua filha que a chama desesperada, mas correndo o risco do espírito de Mistuko lhe machucar, e talvez até matá-la, ou se entregar ao espírito da menina para salvar sua filha.
Yoshimi decide se sacrificar para manter Ikuko viva, nesse momento percebemos que o amor de Yoshimi era tão verdadeiro que preferiu se deixar levar ao invés de entregar sua filha.
Infelizmente ela lutou tanto pela guarda da menina, estava feliz vivendo ao lado dela, tinha esperança que venceria a luta pela guarda da menina, mas em uma decisão difícil e desesperada para manter Ikuko salva, ela entrega sua vida para Mitsuko, que depois de tanto tempo poderá sentir o carinho de uma mãe novamente.
No final temos Ikuko chorando pela presença de sua mãe, Yoshimi triste por estar se afastando de sua filha, mas ao mesmo tempo feliz por ter certeza que ela ficara salva, e Mitsuko também feliz ao saber que agora terá uma mãe ao seu lado.
Imagino a tristeza do advogado de Yoshimi, pois aparentemente ele estava realmente interessado em ajudar Yoshimi a ganhar a guarda da filha, ele estava ajudando ela de forma sincera, e perceber que no final acabou com a sua morte é bastante triste.
Depois de dez anos, Ikuko volta para seu apartamento antigo, agora já abandonado, e encontra o espírito de sua mãe. Ikuko pede para ficar morando com ela mas Yoshimi diz que seria impossível, pois agora ela está ao lado de Mitusko. Após se despedirem Ikuko fica com a certeza que sua mãe estará sempre lhe protegendo, e ela sabe que sua mãe sempre lhe amou, e que nunca a abandonará.

 


Mari Asato



Mari Asato é uma diretora e roteirista japonesa, conhecida por filmes do gênero terror e suspense, uma talentosa diretora mulher japonesa a trabalhar com filmes de terror.
Conhecida mais pelo filme Fatal Frame de 2014, também dirigiu Ju-On: Black Ghost de 2009 e Bilocation de 2013.
Fatal Frame possui uma direção muito bela e mostra que o gênero terror, apesar de popularmente não ser visto com bons olhos nos aspectos de direção e roteiro, Mari Asato mostra que é possível trazer uma delicadeza para o gênero, e ela fez muito bem isso em Fatal Frame, misturando bem o drama humano com o terror.
Bilocation 2013 também é muito belo, e como seus outros filmes, trabalha bem o horror dentro do ser humano, e Bilocation se assemelha um pouco com Cure 1997 de Kurosawa, por mostrar que os piores horrores acontecem dentro das pessoas.
Seus outros filmes são Twilight Syndrome: Deadly Theme Park de 2008 e Ring of Curse de 2011.
Mari Asato iniciou sua carreira como fotógrafa trabalhando com Kiyoshi Kurosawa (diretor de Cure, Kairo e Loft 2005).
Seus filmes possuem uma direção muito caprichada.
Foi depois dessa época que Mari Asato começou a dirigir seus próprios filmes, contribuindo principalmente para adaptações de jogos de terror já conhecidos como Fatal Frame e Twilight Syndrome, ambos filmes baseados em séries de vídeo game.

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