Maneiras diferentes de se fazer um jogo


A narrativa para mim sempre foi a parte mais importante na hora de escolher um jogo, mesmo com a limitação da parte técnica, o enredo me incentiva a jogar.
Mas obviamente que contar uma história no vídeo-game não é a mesma coisa para um filme ou livro, no caso do jogo, mesmo com um bom enredo, ele ainda necessita ser um jogo, a jogabilidade conta muito, todos querem se divertir, ter algumas horas de prazer, e não a sensação de estar assistindo um filme, ou apenas caminhando pelo cenário sem muita ação para entreter.
É nesse ponto que faço a reflexão, o vídeo-game precisa ter limites para se contar uma história? Ficar restrita aos padrões de jogabilidade? A verdade é que quando alguns jogos saem um pouco do que estamos acostumados, geralmente são rotulados de jogos artísticos.
Mas porque? Porque na visão popular Shadow of the Colossus é considerado arte e God of War é apenas um jogo de ação, seria porque Fumito Ueda resolveu sair do padrão que estamos acostumados? A quebra de paradigmas muitas vezes nos causa estranheza, e o estranho por não ser compreendido pode ser visto como um trabalho artístico, muitos nomeiam algo como arte apenas por não compreender o que a obra quer transmitir, mas no final tudo é arte, são apenas formas diferentes de fazer um trabalho, longe do que estamos acostumados.
Essa ideia se encaixa em uma entrevista de Ueda para a BGS de 2018, ele falou sobre seus jogos serem considerados artes, revelou que ao estar desenvolvendo seu projeto, não pensa nisso como um objetivo, apenas quer fazer algo diferente, pouco explorado em outros games.
Mas também existe o outro lado, pois alguns títulos que saem fora dos padrões muitas vezes são rotulados de monótonos, principalmente aqueles que a única função do jogador é a exploração, sem combates com inimigos.
Um jogo que teve criticas em relação a isso foi Beyond Eyes, quase que um livro infantil interativo, onde controlamos Rae, uma menina cega em busca de seu gato Nani. Felizmente nesse caso a maioria dos jogadores gostaram, a proposta da desenvolvedora Sherida Halatoe foi justamente passar toda a insegurança da menina, explorando um mundo em que ela não podia ver, rotular o jogo de chato é ir contra o próprio objetivo do game.
Em uma entrevista, Sherida levantou um pensamento interessante, falou da possibilidade de heróis que ao invés de salvarem o mundo, pudessem salvar a si mesmos, na maioria das vezes os jogos nos dão uma sensação de poder, de estar no controle, mas o quanto isso pode afetar o personagem? Ela disse que teria curiosidade de ver Uncharted por exemplo explorando a psique de Drake, saber a consequência que todos os assassinatos geraram em sua mente. É claro que Uncharted foi criado justamente com o objetivo de ser apenas um jogo divertido de ação, e que mudanças drásticas de personalidade, mesmo se for justificável, podem não agradar os fans da franquia, da mesma forma que alguns não se agradaram do estilo mais dramático e sentimental mostrado nos primeiros trailers de God of War.
Sherida apenas expressou sua vontade de ver mais jogos explorando internamente os personagens, uma luta não contra inimigos exteriores, e sim uma batalha psicológica, algo que aconteceu com Silent Hill 2 por exemplo.
Eu também li muitas análises do jogo Submerged, título lançado em 2015, algumas delas diziam exatamente o mesmo, um jogo sem desafios e chato, novamente sem levar em consideração a proposta do desenvolvedor, de fazer o jogador explorar aquela cidade misteriosa e descobrir o motivo da inundação, ao mesmo tempo em que busca uma cura para o irmão da protagonista, é um jogo movido a sentimentos e não matanças. O foco na exploração faz todo sentido pois a cidade é o grande enigma do jogo, diferente de Shadow of the Colossus e Ico, onde as terras proibidas e o castelo não são o foco central, mas unicamente o desenvolvimento dos personagens, os cenários são apenas pano de fundo, não existe o menor interesse de Fumito Ueda em revelar o passado dos lugares, diferente de Submerged.
Será que esse tipo de jogo tem espaço? Ou jogos como Submerged e Beyond Eyes serão sempre chamados de monótonos? Seria a mesma forma que criticar a jogabilidade lenta de Echo Night Beyond, como já li em alguns sites, sendo que o jogo se passa em uma base lunar.
Um exemplo de algo comum nos games são os inimigos, que é o ponto onde eu queria chegar.
Será que os jogadores estariam dispostos a experimentar algo diferente? Um jogo em que não haveria inimigos, apenas exploração para desenvolvimento da história, como se fosse um livro interativo. Acredito que o grande público não, Shadow of the Colossus tem um ingrediente diferencial que o fez ser amado pela maioria dos jogadores, que é a epicidade, coisa que Ico criado pelo mesmo diretor, não conseguiu ter no mesmo nível.
No cinema de terror, o susto e a morte são ingredientes bastante utilizados, mas eles são essenciais? Vejo muitos filmes bons desse gênero serem criticados apenas por não terem causado susto em quem assistiu, o objetivo do terror é assustar mas não é uma regra intocável, existem outras formas de explorar o medo, trabalhando bastante o suspense, criando uma ambientação perturbadora. Obviamente o terror é composto de vários subgêneros, e alguns como o gore e slasher, precisam desse elemento, mas a diversidade é sempre bem vinda. É claramente possível dirigir um filme de terror sem a necessidade dos famosos jumpscare, assim como também é possível criar um jogo de terror sem inimigos, é só entendermos a proposta da história, saber o que o diretor está querendo passar. Já li criticas a Shadow of the Colossus justamente por não possuir inimigos pelos cenários, claramente uma critica vinda de alguém que não entendeu o tema de solidão que Fumito Ueda quis expressar no jogo.
O walk simulator é um estilo bastante explorado no gênero terror, pela quantidade enorme de jogos nesse formato, se tornou uma categoria bastante desgastante, principalmente pelo fato da maioria desses jogos não explorarem bem essa forma de narrativa.
Mas a expectativa da grande parte do público por jogos cheios de ação, conflito, adrenalina, são os motivos que tiram a vontade de muitos jogadores de apreciar jogos mais centrados na narrativa.
Trouxe o walk simulator como exemplo justamente por alguns títulos trazerem o enredo como foco principal, não possuindo a presença de inimigos, no caso do terror por exemplo, fazendo da atmosfera e som ambiente um dos ingredientes para causar medo e ansiedade.
Em muitos jogos de terror o inimigo está lá apenas como um obstáculo, para o jogador ter um desafio, para não ficar andando pelo cenário sem fazer nada, é só um entretenimento durante a trajetória para um novo cenário.
Silent Hill por exemplo, existem muitos momentos em que você está caminhando pelas ruas da cidade e surge um inimigo para você matar, ele não precisava estar ali, seu objetivo é chegar até o hospital, escola ou prisão, para descobrir mais sobre a história, e não perder tempo matando um inimigo que apenas irá atrasar sua curiosidade de avançar no enredo do jogo, mas ele está ali, para te lembrar que aquilo é um video-game, e não um walk simulator em terceira pessoa.
Obviamente os inimigos de Silent Hill tem uma razão de existência, mesmo assim não justifica a necessidade para tantos inimigos num hospital ou no teatro em Silent Hill Origins, mas sabemos que a mídia usada é um video-game e não um livro, dessa forma os inimigos são totalmente compreensíveis para nos trazer desafio, mas não acrescenta em nada para a história. Esse é um momento que eu penso, "ah sim, isso é um video-game, eu queria continuar sabendo mais sobre a história mas terei que matar alguns inimigos agora". Lembrando que Silent Hill é perfeito como um jogo de terror, e adoro a parte das batalhas, só estou dando o exemplo dos inimigos para ilustrar que muitas vezes eles estão presentes apenas porque o jogador precisa de um desafio, e caso essa história fosse passada para um livro por exemplo, essa presença constante de inimigos não existiria, pois são formas diferentes de criar uma narrativa.
Resident Evil por exemplo já é mais justificável a presença de vários inimigos, pois eles não estão ali apenas para dar um desafio extra ao jogador enquanto desvenda os mistérios da cidade ou delegacia, já que sabemos que a cidade foi infectada por um virus. Haunting Ground também nos apresenta os vilões nos momentos certos, no jogo só existem chefes e eles tem uma motivação para correr atrás da protagonista, e não faria sentido o desenvolvedor jogar vários inimigos no castelo apenas para dificultar o desenrolar da história.
Me pergunto como se sairia um jogo de terror em terceira pessoa sem inimigos, parecido com Silent Hill, onde apenas explorássemos uma cidade misteriosa em busca de respostas. Daria certo? Um mergulho 100% na narrativa, algo parecido feito por alguns walk simulator, só que dessa vez desenvolvido em terceira pessoa.
Eu, como apaixonado por enredos, quero apenas me envolver com a história do jogo e acompanhar o desenvolvimentos dos personagens, como se fosse um livro interativo, e os puzzles fossem meus desafios, queria ver mais "jogos" quebrando as próprias características comuns de um jogo, obviamente não estou aqui propondo que isso se torna uma regra, e que todos os games partem para esse estilo, pois também gosto de adrenalina, de enfrentar chefes, atirar, etc, todos tem suas categorias e particularidades, só estou expressando minha vontade de ver mais jogos apostando em algo diferente, como em Perception e Beyond Eyes em que as protagonistas são cegas, e ambos os jogos não possuem inimigos. Fatal Frame tem o diferencial de não podermos usar armas, Haunting Ground e Clock Tower só podemos nos esconder e usar estratégias para atrasar os vilões, (algo que foi usado também em Amnesia), Echo Night Beyond onde apenas podemos fugir, e os inimigos na verdade não querem te machucar mas apenas receberam ajuda.
Gostaria ver mais desenvolvedores apostando em jogos sem inimigos, ou um jogo de plataforma apenas composto de puzzles, sem vilões.
Independente do gênero, as possibilidades são diversas, é possível construir um jogo divertido e interessante sem precisar ter um monte de inimigos enquanto carregamos uma espingarda e matamos todos pela frente, esses títulos são divertidos? Obviamente que são, mas porque não arriscar em algo inovador, que poucos exploraram até o momento.
Diferente de um livro ou filme em que apenas podemos ler e assistir, o video-game nos proporciona inúmeras possibilidades para se contar uma história.

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