Os Filmes de Terror Psicológicos e o Enfrentamento do Trauma


O momento de tensão nos filmes de terror psicológicos só ocorrem quando o personagem encara sua dor?
Obviamente isso não ocorre de forma unânime, a exceções. No caso desse texto me concentro em filmes onde existe o confrontamento entre a dor do personagem e sua assombração, muitas vezes a própria materialização de seu sofrimento, e como isso cria a atmosfera assustadora da narrativa.
Resumindo os temas debatidos em meus textos anteriores, deixo claro que vejo no terror psicológico uma ótima oportunidade de explorar e desenvolver feridas do coração humano, fazer desse subgênero não um horror que acontece fora dos personagens, mas sim dentro deles, em seus próprios tormentos.
Nossa mente é o local onde o verdadeiro terror ocorre, mergulhados em dores não superadas, vamos cada vez mais sendo controlados pelo desespero.
Mesmo quando a ameaça vem de fora, muitos filmes usam esse perigo como uma "desculpa", algo secundário para desenvolver as relações pessoais dos protagonistas, feito muito bem por diretores como M. Night Shyamalan, alguns exemplos de seus filmes são A Visita, transformando seus"avós" em obstáculos para que os irmãos, Becca e Tyler pudessem superar seus traumas, Sinais, em que a invasão alienígena no filme (usado muitas vezes como um argumento para criticar o filme) é só um elemento usado para tratar de temas como coincidências e fé, e se certas situações em nossas vidas podem ser consideradas milagres ou apenas ocasionalidades.

Como um bom exemplo sobre o enfrentamento entre protagonista e inimigo serem uma analogia de nossa decisão de lutar contra nossos medos e dores, citarei um jogo chamado Silent Hill 4.
Ele funciona como um arquétipo de nossa mente, simboliza o ato de lutar contra nossas inseguranças.
No game Henry está preso em seu apartamento de forma sobrenatural, impossível de sair a não ser por um túnel que misteriosamente se abre em seu banheiro, que não é na verdade uma saída, e sim uma entrada para outra dimensão baseada na mente do antagonista responsável por seu isolamento chamado Walter Sullivan.
A narrativa só realmente se desenvolve assim que Henry decide entrar pelo túnel e enfrentar a fonte de seu problema, que é o que está lhe deixando preso.
Ele poderia simplesmente rejeitar essa luta e se viciar da "proteção" que a casa lhe passa, até o momento que não lhe importar mais em sair dali.
Mas seu desejo em se libertar daquilo que lhe prende o faz adentrar o desconhecido e perturbado mundo, e é a partir dai que o verdadeiro terror acontece no jogo, após sua decisão de enfrentamento. Para superar nossos traumas precisamos encará-los, por mais dolorido e desesperador que sejam, sair da zona de conforto, daquilo que nos traz uma ilusória sensação de "proteção".

Lavender, filme de 2016 conta a história da protagonista Jane, que foi adotada assim que uma tragédia dizimou sua família, devido ao forte peso do acontecimento, as memórias desse dia foram apagadas por ela, com isso não se recorda de sua família original.
Atraída para a fazendo onde viveu (mesmo ela não sabendo o motivo) suas lembranças aos poucos vão retornando, até ela descobrir que é dona da propriedade, e que viveu naquele local com seu tio chamado Patrick. E após esses acontecimentos, finalmente é dita a ela sobre o massacre de sua família.
Sua volta ao local onde originou seu trauma, automaticamente lhe trouxe as memórias apagadas e com isso o terror, que é baseado nas emoções de Jane, começam a acontecer no filme. O terror são suas lembranças retornando, assim como o desespero que sentimos quando relembramos de determinadas situações de nossa vida, algo ainda não resolvido em nós, um terror psíquico sufoca e nos persegue.

Rofuto (Loft), filme de 2005, conta a história da escritora Reiko Haruna que se muda para uma casa suburbana para terminar seu novo romance, lá ela conhece o arqueólogo Makoto Yoshioka, que é encarregado de examinar uma múmia recém descoberta, que com o passar do tempo, Makoto acaba criando um carinho pela múmia, uma obsessão por querer descobrir seu passado.
Enquanto a jovem Reiko trabalha em seu livro, ela começa a presenciar o fantasma de uma jovem mulher e descobre que seu quarto pertenceu a ela antes de desaparecer misteriosamente.
O tema do filme é sobre a culpa e a importância do perdão. Os problemas das memórias reprimidas.
O arqueólogo Makoto também tem visões da mulher, e algo o perturba, mas não consegue lembrar o que realmente é.
Em meio a essa estranha aparição, Reiko também tenta descobrir o passado do prédio em que Makoto cuida da múmia, que fica ao lado da casa onde está morando.
Ao mesmo tempo em que ela busca por respostas, Reiko tem que lidar com seu editor, que a pressiona diariamente sobre o término do livro, e também tenta abusar dela a cada encontro que os dois tem na casa.
O terror do filme está ligado a tentativa de se esquecer do passado, esconder nossos erros, Makoto tem uma participação muito grande na morte da jovem que constantemente aparece para perturbá-lo, e de forma fracassada se esforça para se livrar dessa lembrança.
Com o não enfrentamento do sofrimento, isso lhe traz consequências, e Makoto vai ficando cada vez mais desesperado com a situação, criando até ilusões com a misteriosa múmia, como se ela fosse despertar para lhe culpar e matar.
De uma forma invertida, nesse filme o terror não acontece em razão do personagem ter decidido lutar contra seus pesadelos, mas sim pela tentativa de esquecê-lo, fugir e esconder a culpa.

Inner Senses, filme de Hong Kong de 2002, conta a história do psicólogo Law e sua paciente  Cheung.
O filme é sobre traumas não superados, e o quanto isso afeta nossa vida.
Assim como acontece em Rofuto, o fato dos personagens não quererem lutar contra suas dores, o peso que essas feridas trazem em suas mentes, os levam aos poucos a loucura, dessa forma suas tristezas são materializadas em assombrações.
A partir do momento que começam a enfrentar o trauma, as aparições aumentam, muito devido ao fato de estarem finalmente encarando seus pesadelos de frente, dominando-os.
E novamente, assim como nos outros filmes, aqui o terror é a própria mente, ele acontece na tentativa de esquecendo total e é intensificado no momento que o enfrentamos.

The Strange House, filme de 2015, conta sobre a garota Le Rong (Yezi), que é procurada por um homem desconhecido que pede para ela o acompanhar até sua casa e se passar pela neta de sua mãe que está morrendo, em razão da menina ser bastante semelhante a sua sobrinha.
Yezi decide fazer isso depois que o salão de cabelo em que ela trabalhava é fechado.
Após chegarem a casa, Yezi começa a ter alucinações, visões do passado de uma garota chamada Le Rong.
É revelado que Yezi é na verdade Le Rong, ambas são a mesma pessoa, e assim como no filme Lavender, a garota começa a se lembrar do que aconteceu com ela, e o motivo de ter ido embora daquela casa.
Quando todas suas memórias retornam novamente, ela recorda que seus pais morreram em um acidente de carro, e como Le Rong imaginava que seus tios tinham interesse na casa de seus pais, ela projetou neles a culpa pela morte de sua família, fugiu de casa, mudou de nome, e começou a viver como outra pessoa, personalidade nova.
O homem que foi lhe procurar é seu tio Zijun, que é psicólogo e tenta lhe ajudar.
O terror se desenvolve a partir do momento em que a protagonista é exposta a seu passado e tem que enfrentar sua dor.

Muitas vezes a narrativa não se torna assustadora porque o diretor/roteirista está forçando cenas tensas para se encaixar dentro do gênero, mas sim a própria história leva o filme para o terror psicológico. A história caminha nessa direção naturalmente, é como um filme de drama, só que nesse subgênero vemos materializada a mente ferida dos personagens, seus medos são expostos ao exterior, e os filmes se tornam perturbadores e tensos devido a própria mente desesperada do protagonista. Suas angústias são personificadas e assim começamos ver e sentir o mesmo tormento de seu interior.
Sendo assim o terror está ligado ao personagem e sua luta interna e não nas regras que definem o gênero como mecânica.

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