Os Desejos Ocultos Dentro de Nós - Cure 1997


A Cura é um filme de 1997, dirigido por Kurosawa, o mesmo diretor de Kairo.
O filme conta a história do detetive Takabe, que investiga misteriosos assassinatos em que os próprios assassinos admitem a culpa pelo crime, mas não sabem dizer o motivo, como se fosse um ato inconsciente, e todos os assassinos deixam um corte em forma de X nas vítimas.
O detetive descobre que na verdade todas essas pessoas que cometeram os crimes, foram influenciadas por uma pessoa, um jovem chamado Mamiya que sofre de amnésia.
Umas das primeiras vítimas é um professor, ele encontra Mamiya em uma praia totalmente desorientado, sem memória e com a mínima ideia de onde estava. O professor o leva para sua casa, e ao ser interrogado sobre seu nome, o jovem diz que não se recorda de nada sobre seu passado.
A partir dai é Mamiya que começa a fazer perguntas sobre a vida do professor, questionando quem ele era e perguntando constantemente sobre sua esposa, e antes de finalizar a cena entre os dois, Mamiya acende um isqueiro e pede para ele falar sobre sua esposa.
No dia seguinte o professor mata sua mulher e é preso, ele confessa o crime e ao ser interrogado pelo detetive Takabe sobre o motivo, ele diz não saber, que simplesmente fez por achar que era normal, que precisava matá-la.

Após isso, Takabe vai buscar algumas roupas na lavanderia, ao lado dele está um homem que fica sussurrando para si mesmo irritado com algumas pessoas, os chamando de idiotas, se perguntando o que ele havia feito de errado para ser criticado, desejando que eles fossem para o inferno.
Após isso o homem vai embora e Takabe pega as suas roupas.
Depois de uma tentativa de suicídio, Mamiya é capturado por um guarda e levado para um posto policial, lá ele passa a noite na companhia de dois policias, aguardando para que seja levado ao hospital pela manhã.
Um dos policiais sai para uma ronda noturna, e o jovem fica com o policial responsável por trazê-lo até o local depois da sua tentativa de suicídio.
Mamiya acende um esqueiro e assim como fez com o professor, pede para o policial contar sobre a sua vida.
No dia seguinte o policial mata seu amigo de trabalho com um tiro na cabeça.
O detetive descobre a influência de Mamiya por traz dos assassinatos através de suas digitais presente nos locais dos crimes, mostrando que ele sempre conversava com as pessoas antes delas cometerem o assassinato.
Após ser capturado e interrogado por Takabe, o jovem dá as mesmas respostas de sempre, dizendo que não sabe nada sobre si mesmo, seu nome, idade, profissão, absolutamente nada, e não reconhece nenhuma das pessoas que ele havia induzido ao crime.
Takabe começa a investigar a vida de Mamiya e descobre sua casa, lá ele encontra livros sobre hipnose, e descobre que Mamiya fazia faculdade de psicologia e posteriormente começou a se envolver com técnicas de hipnose estudando as práticas de Franz Mesmer, um precursor alemão do hipnotismo.
Takabe conclui que Mamiya usava a hipnose para obrigar as pessoas a matarem outras.

Se assistirmos ao filme e não prestarmos atenção nos detalhes, imaginaremos que o jovem é o verdadeiro criminoso, e que ele era o responsável por tudo, que usava a hipnose para fazer as pessoas cometerem os crimes.
Mas na verdade assim como Kairo, existe uma linha mais profunda no filme do que apenas as imagens nos mostram. Na realidade o jovem chamado Mamiya não obrigava os personagens a matarem outras pessoas, ele nunca forçou ninguém a nada.
O rapaz não ia atrás das pessoas, eram elas que se encontravam com ele.
Todos os personagens que se tornavam assassinos após conversar com Mamiya iam de encontro a ele, e não o contrário.
A única coisa que Mamiya fazia através da hipnose era deixar com que as pessoas fizessem uma viagem para dentro de si mesmas, dentro do mais íntimo de seu coração, em seus desejos mais perversos, e a própria pessoa descobria suas vontades adormecidas, e através da reflexão sobre a própria vida, elas conseguiam despertar aquela fantasia a tantos anos presa dentro delas.
E após isso agiam por conta própria, por acharem ser o certo a se fazer.

Em todas as pessoas que Mamiya encontrava, todas elas já tinham dentro de si o desejo implantado de se livrar de alguém, seja por ódio, inveja, egoísmo, tudo isso já estava presente nelas, e Mamiya só era a chave para fazer esses sentimentos despertarem.
O jovem não obrigava elas a matar, apenas os fazia realizar seus sonhos, por mais perversos que fossem. Por isso o nome do filme é a A Cura, Mamiya trazia a "cura" para esses personagens, os fazendo realizar seus desejos, um desejo reprimido, que só estava faltando uma oportunidade ou coragem para cumprirem.
Foi assim com todas as pessoas, por isso Mamiya perguntou sobre a esposa do professor, pois já havia dentro dele um sentimento de irá contra a própria esposa, um sentimento assassino que apenas estava adormecido, aguardando apenas um momento para ser revelado.
Da mesma forma o guarda do posto policial, após ser capturado ele revelou ao detetive que já estava a três anos querendo se livrar de seu companheiro de trabalho, pois já não suportava mais ele, e Mamiya através da hipnose apenas resgatou esse desejo em seu interior.
Não é Mamiya que coloca o desejo assassino dentro das pessoas, são as próprias pessoas que já possuem isso dentro de si mesmas.
O jovem guia as suas vítimas para os níveis mais sombrios de suas fantasias.
Todo mundo reprime os instintos primitivos e os desejos o tempo todo, é o que nos separa dos animais, podemos escolher nossas ações, escolher entre o certo e o errado.
Mas mesmo escolhendo o certo, o ser humano ainda guarda os sentimentos ruins dentro de si.
Essas repressões de nossos desejos perversos e assassinos é o que torna possível a existência de uma sociedade. Mamiya elimina essa barreira da repressão e permite com que as pessoas ajam "naturalmente" nos instintos e impulsos primitivos que antes haviam sido reprimidos.

Um exemplo disso é o homem na lavanderia ao lado do detetive Takabe,
Ele fica sussurrando para si mesmo de uma forma violenta por causa de sua impaciência com algumas pessoas, demonstrando um ódio por elas. Mas quando o dono da lavanderia retorna e entrega suas roupas, o homem se comporta educadamente agradecendo pelo serviço.
Um homem aparentemente trabalhador e inofensivo, mas que alimenta um sentimento assassino dentro de si, e se não fosse essa barreira que faz a sociedade se manter em pé, ele já teria realizado seu desejo de eliminar aquelas pessoas que estavam lhe perturbando.
A barreira interna que impede o homem na lavanderia de cumprir suas vontades é o que Mamiya apaga.
É esse o terror do filme Cure (A Cura), o terror que existe dentro do ser humano, a incapacidade de saber o que se passa no coração de outra pessoa, as loucuras de seu interior.

O psiquiatra Sakuma, que ajuda Takabe nas investigações, leva uma fita de vídeo para o detetive assistir, o vídeo era do final do século 19 e mostrava um homem fazendo hipnose em uma senhora, usando a mesma técnica de hipnose que Mamiya usava, posteriormente a mulher foi presa por ter matado o próprio filho.
Mostrando que aquela técnica já era usada a bastante tempo, e Mamiya apenas a estava propagando o que para ele era uma forma de cura, para a pessoa se curar do que lhe perturbava.
Essa mulher do vídeo já carregava o desejo de matar seu filho a muito tempo, não foi o homem o responsável por obrigá-la a matar, apenas pela hipnose ela conseguiu ir no mais intimo de seus sentimentos e despertou a coragem que lhe faltava para realizar o que a muito tempo já queria fazer.
No final do filme mostra o detetive Takabe comendo em um restaurante enquanto uma garçonete lhe atende lhe trazendo um café.
A cena caminha lentamente para a lateral e mostra a gerente chegando na garçonete e falando algo baixo em seu ouvido.
A garçonete demonstra um semblante de tristeza, vai até um dos balcões e pega uma faca, e logo em seguida o filme finaliza.
Kurosawa coloca em seus filmes temas humanos presentes em nosso dia a dia, como a depressão em Kairo e os desejos assassinos em Cure.
Esse é verdadeiro terror da humanidade, nós mesmos.

Eu sempre vi o terror como uma maneira de expressar o interior do ser humano de uma forma visível, é impossível materializar o invisível, mas através do terror conseguimos exteriorizar através de imagens o medo que se passa dentro de cada pessoa.

 

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