O Terror Como o Subgênero do Drama para Explorar Traumas Humanos


As vezes sentimos um vazio dentro de nós que não conseguimos explicar, apenas sentimos, e não sabemos como lidar com ele.
Em um momento estamos felizes, com tantos planos, mas de repente algo nos abala trazendo uma sensação de vazio.
A insegurança é um verdadeiro horror que nos atinge por dentro, o medo de perder alguém, de relembrar algo do passado, de não se sentir capaz, as vezes uma culpa, arrependimento, ódio de si mesmo. Agora faço a reflexão, e se todos esses sentimentos se materializassem em nossa vida?
Muitas vezes vivemos um verdadeiro inferno dentro de nós, por mais que tentemos esquecer, se esconder, o sofrimento permanece nos assombrando diariamente, nos enfraquecendo.
O subgênero terror psicológico quando bem utilizado, simplesmente pega todos nossos medos interiores e os transforma em pesadelos físicos, reais, tangíveis, materializa um mundo perturbado que já vivemos internamente.
Nenhum gênero consegue explorar melhor nossos traumas que o terror, pois ele consegue transmitir todo o pesadelo que a pessoa está sentindo por dentro, todo o medo, insegurança, raiva, desespero, pega todo o inferno pessoal do indivíduo e os transforma em assombrações, monstros, em algum tipo de ameaça.
O terror consegue demonstrar em imagens tudo o que se passa dentro de uma mente perturbada, é como se nos fosse mostrado uma visão em 3D do pesadelo que a pessoa vive por dentro.
No filme de drama Reine Sobre Mim, acompanhamos a história de Charlie, um homem que entra em depressão após perder a família em um acidente de avião, no filme conseguimos sentir a dor do personagem, sua tristeza, insegurança, mas não temos ideia do que realmente se passa em sua mente, um raio-x 3D de seu psicológico, a forma em que ele enxerga o mundo a sua volta, para entender materialmente como é o pesadelo que está vivendo, apenas entendemos a sua dor, mas não sabemos como é visualmente para ele essa dor. O drama se limita a transmitir a emoção do personagem, a tristeza, o terror personifica essa tristeza trazendo o seu pesadelo para o mundo físico.
O terror consegue mostrar através de imagens o sofrimento em uma forma visível, traz a dor para nosso plano físico através de simbolizações, faz um mapeamento visual da tristeza invisível que sentimos.

O terror asiático utiliza o gênero como pano de fundo para tratar de sentimentos como depressão, abandono, vingança, culpa, exemplos como Água Negra, O Conto de Duas irmãs, Inner Sesses, Kairo, são filmes que estão mais interessados em demonstrar o sofrimento de seus personagens do que em assustador o expectador, o terror nesses filmes, como foi dito antes, não é utilizado de forma forçada, ele acontece de forma natural conforme o personagem vai chegando mais próximo da origem de seu trauma, o terror é o espelho do interior dos protagonistas, o filme apenas nos mostra através de ameaças físicas os seus problemas psicológicos.
É por isso que muitos até classificam esses filmes mais como dramas do que realmente um filme de terror, justamente porque para o horror dessas histórias acontecerem depende do estado interno do personagem. Isso acontece em Inner Senses, assim que um dos protagonistas supera seu trauma, o horror do filme diminui, pois suas visões conturbadas já não existem mais.
Isso exemplifica o terror sendo utilizado como um subgênero do drama, enquanto o drama expressa os sentimentos dos personagens, o terror materializa suas dores para que possamos ter uma ideia do sofrimento vivido pela pessoa.

Nos jogos eletrônicos temos como exemplo a franquia Silent Hill, que são jogos do gênero terror que explora as dores dos personagens, materializa seus sofrimentos em monstros.
Cada título traz uma história diferente de personagens perturbados, que carregam algum trauma dentro de si.
É interessante notar que nesses jogos não temos verdadeiramente um inimigo, e sim vítimas, toda a atmosfera de horror é construída através de uma mente ferida.
Alessa não é um inimigo do primeiro Silent Hill lançado em 1999, apesar dos monstros que enfrentamos no jogo ser fruto de sua mente, ela é tão vítima quanto o protagonista Henry, o conceito de inimigo no terror psicológico, principalmente o asiático, é muito relativo.
O verdadeiro inimigo de Silent Hill é o coração humano conturbado que a cidade materializa em inimigos físicos.
O verdadeiro vilão somos nós mesmos, o terror acontece interiormente, o inimigo de Silent Hill 2 é o próprio protagonista James, sua culpa e egoísmo, o de Silent Hill 4 é Walter, seu sentimento de rejeição e solidão ao ser abandonado pelos pais, e de sentir falta do carinho materno, o de Origins é Trevor, sua dor após o desprezo de sua mãe ao querer matá-lo, e presenciar seu pai cometer suicídio, é tudo sobre nossos medos e traumas.
Qual o melhor gênero senão o terror para expressar o medo de uma mente presa em culpas igual a do personagem James em Silent Hill 2? Qual outro gênero conseguiria nos mostrar em uma forma física e tangível todo o inferno vivido por sua mente? Não é que a história seja construída para ser de terror, é que naturalmente ao materializar o medo dos personagens, é inevitável que a atmosfera apresentada seja perturbadora, é uma consequência do que o personagem sente por dentro.
Pois em seu interior o terror já é real, nossos traumas nos muda totalmente, o gênero terror apenas os materializa para nós expectadores os conhecermos visualmente e compreendermos seus monstros internos.

Rule of Rose, jogo lançado em 2006, não haveria um gênero melhor que o terror para retratar a insegurança da jovem personagem Jennifer, que traz consigo um trauma não superado durante o tempo em que viveu no orfanato após seus pais morrerem.
Depois de adolescente, ao retornar novamente ao local, que acontece logo no início da história, todas as lembranças que haviam sido reprimidas dentro dela voltam novamente, e isso a deixa assustada e frágil.
Na verdade o orfanato já está abandonado, não existe mais ninguém presente, todas as experiência que Jennifer vive naquele lugar acontece apenas em sua mente, são apenas lembranças, ilusões.
O gênero terror faz uma espécie de mapeamento 3D de seu psicológico e nos mostra a situação e o que se passa em sua mente, vemos todo o medo e desespero que ela sente ao retornar aquele local, enxergamos seus medos materializados em ameaças físicas, é como se estivéssemos entrando na mente de Jeniffer e tendo a possibilidade de ver a forma como ela enxerga o ambiente a sua volta, a insegurança em lidar com seu trauma.

O terror e o drama andam juntos, pois é o drama que gera o terror e vice-versa.
O mais aterrorizante que podemos vivenciar não é um monstro vindo de algum lugar tentando nos matar sem nenhuma razão, e sim nosso próprio monstro interno.

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