A Solidão em Kairo


A dor humana sempre esteve presente no terror asiático, seja em filmes ou lendas, a vingança, ego, solidão, sempre foram retratados no cinema de horror, especificamente no subgênero sobrenatural.
A humanização do espírito, lhe apresentando razões para seus atos cruéis ao invés de retratá-los apenas como algo maligno e assustador, vem desde as lendas antigas como das mulheres Oiwa e Okiku, e muitas outras histórias semelhantes, que são espíritos que por mais vingativos que sejam, são materializações do sofrimento que passaram enquanto estavam vivos.
Em Kairo, filme dirigido por Kiyoshi Kurosawa e lançado em 2001, mantém o lado humano e dramático das assombrações, mas faz isso de uma maneira diferente, sem a caracterização que estamos acostumados dos espíritos asiáticos, exemplos como Sadako e Kayako, que são mulheres com as vestimentas brancas e cabelos longos, em Kairo o diretor mantém a aparência humana deles, justamente para representar uma das ideias do filme, que é mostrar a proximidade deles com os vivos, que não há diferença entre nós.
Em Kairo, ao contrário do que é explorado em outros filmes do gênero, os espíritos não estão atrás de vingança, mas sim de ajuda, se sentem sozinhos, presos em suas dores, e anseiam por companhia, por afeto.
Outra diferença apresentada por esse filme, é que não são os espíritos que matam, e sim a própria pessoa se suicida, o espírito é apenas o objeto de reflexão que leva o personagem a se matar, mas não são os atores dos assassinatos. É a depressão que lhes matam, o próprio desespero de olharem para si mesmos. O medo não vem de fora, é interno, os personagens se deparam com a insegurança e o vazio em suas vidas, é esse o tipo de terror que o filme trabalha.
As assombrações se revelam clamando por socorro através de vídeos na internet, e quanto mais esse contato se torna frequente, mais os personagens começam a entrar em depressão, se isolando das outras pessoas, sentindo-se inseguras e com medo, até o desespero as levarem ao suicídio.
As pessoas sentem vazio, não veem brilho na vida, sentem-se sozinhas, e com o tempo começam a se identificarem com a dor dos espíritos, crendo que talvez seria melhor ir para esse outro plano, que é tão real quanto o nosso, e que talvez lá possam se sentir felizes.
A personagem Harue Karasawa, jovem graduada em ciência da computação, passa por todo esse processo de depressão, na história ela é apresentada quando Ryosuke lhe pede ajuda sobre um vídeo que ele assistiu de um homem cometendo suicídio.
Assim que ela começa a ajudá-lo, inevitavelmente Harue se depara com as filmagens das pessoas se matando, e isso lhe vai afetando lentamente, seu comportamento muda, passa a alimentar pensamentos tristes, e reflete sobre o fato de que ela não é diferente daquelas pessoas que aparecem solitárias nos vídeos e posteriormente cometem suicídio, pois dá mesma forma que eles estão isolados, ela também se sente sozinha, sem familiares, sem ninguém, e que não haveria ninguém que se importaria com sua morte, alias, que diferença faria em estar vivo ou morto? O que nos faz ser diferente deles? Essas são as palavras ditas por Haure a Ryosuke, que sem exito tenta fazê-la ver a vida de maneira positiva, e que devemos aproveitar o presente, pois eles estavam vivos, e isso era real e realmente importante.
Até chegar o momento em que Harue comete suicídio dando um tiro em sua cabeça.
Todos os personagens que se suicidam no filme já apresentavam dentro de si algum tipo de ferida, lutavam contra algum tipo de dor, mas tentavam deixá-la de lado, esquecer, fingir que ela não existe.
O contato com os espíritos apenas despertava a solidão dentro deles, se sentiam iguais as pessoas dos vídeos que pediam ajuda, se sentiam na mesma situação, sozinhas, tristes, cheias de traumas, culpas, medos, e a reflexão sobre a própria vida as faziam entrar em depressão, até chagarem ao suicídio.

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