O Perdão nos jogos de Terror


Merecemos perdão pelos erros que cometemos?
Quando passamos por uma situação traumática, quando somos o culpado pela dor, mesmo se recebemos o perdão de quem machucamos, a maior dificuldade é se auto perdoar, o peso pelo erro cometido se torna tão grande, que o convívio com essa culpa é insuportável, e para muitos o suicídio se torna uma busca desesperada por alívio, para se livrar do sofrimento.
Mesmo que sejamos vítimas ou culpados de um momento traumático em nossa vida, receber o perdão e se auto perdoar podem ser a salvação que precisamos.
Silent Hill é a metáfora de uma mente sofrida, a busca pela verdade, e o confronto contra nossos monstros interiores, quase que uma consulta psicológica em forma de jogo, nos mostrando como pode ser assustador a luta contra nossos medos. Em Silent hill 2 a cidade se adapta conforme o inferno pessoal de cada um, é apenas um lugar comum aos olhos da pequena Laura, mas perigosa e assustadora para James, Angela e Eddie, ambos presentes no mesmo local, mas cada um a enxergando de uma maneira diferente.
A dor psicológica, estando ou não associada a um lugar específico, nos faz ter uma visão de mundo diferente de quem está ao nosso lado, não apenas porque cada ser humano tem a sua própria interpretação da vida, mas a dor pode distorcer algo que para o outro seja visto como uma coisa normal.
Quando estive presente na casa de meus avós alguns dias após eles falecerem, onde vivi por um tempo no começo da adolescência, tive uma sensação diferente que meu primo que estava junto comigo sentiu, pois para mim aquele lugar marcou uma parte de minha vida, momentos tristes e felizes, já para ele, que não teve essa mesma convivência no local, a sua visão era só de uma casa vazia de uns avós distantes.

James e Angela, no começo da história de Silent hill 2, se comportam como se não soubessem do que havia acontecido com eles, sofrem de amnésia dissociativa, uma forma de apagar o momento do ato traumático, como uma defesa para si mesmo, esquecer daquilo que lhe fez sofrer, e assim começam uma busca pela verdade. Silent Hill funciona como uma terapia, onde acontece um confrontamento de nossos bloqueios, até o momento que nos deparamos com a verdade, onde o perdão tem um papel importante para esse impacto emocional. Nem todos irão querer nos perdoar, mas o auto perdão é importante.
Algo parecido que aconteceu com o personagem Charlie no filme Reine Sobre Mim, nesse caso Charlie sabia o que havia acontecido com sua família, mas buscava constantemente meios para esquecer de seu passado, reprimindo as lembranças do momento que traumatizou a sua vida.

Quando nos sentimos culpados, seja qual for a dor emocional que carregamos, muitas vezes criamos um tipo de ódio por nós mesmos, não aceitamos nossa vida, e dependendo do sofrimento, desejamos ser punidos, julgados pelos erros. Por mais que não queremos aceitar isso, por mais que busquemos força para superar um trauma, como a perda de alguém importante para nós. Dessa forma James materializa em Pyramid Head (inimigo principal do jogo), seu sentimento de punição, de revolta consigo mesmo.
Se perdoar não é fácil, aceitar nossas imperfeições, nossas limitações, conviver sabendo que fizemos muitas pessoas sofrerem, que somos responsável pela morte de quem amamos, é um peso muito grande.

Mas o que dizer para Angela depois de tudo que ela passou? Palavras não irão suprir as dores dela, se nega a qualquer tipo de ajuda, mas onde ela encontraria forças para perdoar seu passado? Ainda tendo que pagar pelo assassinato de seu pai e irmão, é um peso a mais que ela terá que lidar, sinceramente não sei, muitas vezes não temos poder para ajudar, e sofremos por isso. Da mesma forma que James, na cena das escadas perto do final do jogo, percebeu que não poderia tratar da dor de Angela.

Jennifer, no jogo Rule of Rose, também sofre de amnésia dissociativa. O retorno dela para o orfanato é como uma viagem pessoal para a sua própria mente tentando buscar respostas para sua fraqueza emocional e insegurança. Um dos inimigos, chamados Imps, representam o medo dela de descobrir a verdade, são os bloqueios que ela tenta criar para se livrar de seu passado.
E assim como a cidade de Silent Hill, aqui o orfanato é apenas uma representação da luta interna da personagem.
Perto do final do jogo, após finalmente confrontar seus medos, ela diz que se odiava e se sente arrependida de não ter sido forte para enfrentar as suas dores antes.
Ao estarmos presentes depois de anos a um lugar que teve um impacto em nossa vida, automaticamente as lembranças voltam a tona.


Foi dessa forma que Travis Grady de Silent Hill Origins teve que enfrentar finalmente seu passado, estar em Silent Hill é voltar para seu tempo de criança, onde vivia com seus pais, onde sua vida se transformou em um inferno após quase ser morto por sua própria mãe e presenciar seu pai cometer suicídio. Levando Travis a criar um tipo de repulsa as mulheres pelo que viveu com sua mãe, da mesma forma que Angela cresceu desprezando e não confiando nos homens pelo abuso que sofria de seu pai e de seu irmão. Só quem passa por um trauma desse sabe realmente a sensação da dor, e se torna compreensível que pessoas como Travis tentem fugir do que aconteceu, reprimir as lembranças, medo de encarar a verdadeira realidade, não é algo fácil, pois se perdoar pelo que aconteceu, com o sentimento de culpa, se torna extremamente dolorido, ter que enfrentar seu próprio terror interior.

Creio que muitos desejariam uma máquina do tempo, voltar naquele triste momento de nossa vida para concertarmos o que nos traumatizou, para tentarmos ser mais fortes, para assim nos tornarmos uma pessoa diferente do que somos agora. Longe da tristeza, dessa culpa que nos rodeia diariamente, mas não existe mágica, a única forma de seguirmos em frente nessa vida é aceitarmos quem somos, aceitar nosso passado e ver que muito daquilo que não desejaríamos para nós, foi importante de alguma forma para algum ponto positivo que conquistamos hoje.
É na dor que descobrimos nossas capacidades, qualidades antes adormecidas, muitas delas nascida da necessidade de se expressar e colocar pra fora todo o ódio e sofrimento que nos habita.
Se perdoar é muito importante, você se sente mais livre, sem isso nosso interior continuará com cenários de sangue e podridão semelhante a cidade de Silent hill, uma representação artística de nossa mente perturbada e sofrida.
Não podemos julgar o sofrimento de alguém, talvez o perdão salvaria James, Angela e Eddie da morte, assim como salvou Jennifer e Travis, mas só quem sofre sabe o peso que carrega.

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